7 de dez. de 2007

tarde demais ...

Era uma dor terrivelmente insuportável.
Abri os olhos e mal pude enxergar o que estava acontecendo ao meu lado. Conseguia escutar algumas vozes bem longe, como se quisessem desesperadamente me dizer alguma coisa. Não entendia nada.

Meio desnorteada tentei mexer meu corpo. Sem resultados. Alguma coisa me impulsionava para baixo, forçando meu corpo contra o chão. Meus braços estavam meio largados, mas também sem movimentos. Fui tomada por um desespero permanente. Tentei gritar, porém minha garganta, assim como o resto do meu corpo, não quis cooperar.

Demorei alguns minutos pra poder entender o que estava acontecendo. Sim, eu lembrei o que aconteceu antes que eu desmaiasse. Estávamos brincando muito, rindo, fazendo planos para a próxima viagem e bebendo, bebendo pouco. Inclusive Fábio, o motorista. Lembrei de ter pedido pra que ele andasse mais devagar, ele insistia que podia ter o controle absoluto do carro. Tentamos virar o volante antes que se chocasse contra o muro. Já era tarde.

Não sei por quanto tempo fiquei deitada embaixo das ferragens. Talvez uma eternidade. Algumas pessoas chegavam mais perto e perguntavam se estava tudo bem comigo, pior não poderia estar. Os bombeiros chegaram, mas não conseguiam mover qualquer coisa pra me tirar daquele lugar. Cada vez eu os escutava mais e mais distantes. Aos poucos tudo ficou em silêncio. Enfim acordei. Estava no hospital.

Uma enfermeira arrumava e controlava meus aparelhos. A dor no corpo ainda não havia cessado. Perguntei sobre as outras pessoas que estavam envolvidas no acidente, não obtive resposta. Ela apenas pediu que eu descansasse bem, logo saberia mais detalhes sobre. Tornei a fechar os olhos e dormi.

Meus pais estavam no quarto quando tornei a acordar. Quis saber o que tinha acontecido com todos os meus amigos e como batemos o carro, eles também se negaram a contar. Parecia que escondiam alguma coisa de mim, não sei bem ao certo. Ficavam desconcertados toda vez que perguntava. E eles realmente estavam escondendo. Pouco mais tarde, eles decidiram que era hora para que eu soubesse de tudo. Ninguém que estava no carro resistiu ao acidente.

A dor da perda foi pior do que qualquer dor sentida até aquele momento.

Fiquei naquele hospital por algum tempo. Tive algumas infecções e aos poucos fui enfraquecendo. Sabia que aquele seria meu ultimo dia. Pedi para a enfermeira que chamasse minha mãe que aguardava na sala de espera. Ela chegou no quarto e pude perceber sua profunda tristeza. Suas olheiras e seu rosto inchado não negavam que chorava incansavelmente por dias seguidos.

Ficou comigo até meu ultimo minuto. Às vezes eu a escutava rezando baixinho pedindo pra que eu saísse logo daquele lugar. Suas preces não foram suficientes. Abri os olhos e com todo restante de minha força segurei sua mão e pude dizer que a amava mais que tudo na vida. Ela ficou em silencio por alguns minutos, segurando seu choro. Quando levantou o rosto, olhou fixamente dentro dos meus olhos e apenas me pediu perdão. Meus dias no hospital, e na Terra, estavam chegando ao fim. Foi a ultima coisa que escutei da minha própria mãe. Um pedido de perdão. Fechei os olhos e nunca mais acordei. Queria poder perdoá-la, mas seu pedido foi tarde. Infelizmente tarde demais.




"você diz que quer uma nova chance, agora é tarde demais ..."

6 de dez. de 2007

será que posso ?

Sentia-me sozinha entre as paredes cor-marfim e os móveis antigos daquela sala. Minha única companhia era um cinzeiro de vidro cheio de bitucas e cinzas, um Lucky Strike pela metade, que a cada trago degustava com mais prazer, e alguns livros antigos de romance espalhados pelo tapete.

Meu vizinho insistia em repetir incansavelmente o vinil do Renato Russo, que dizia, também incansavelmente, que era cedo, cedo, cedo. Dei um ultimo trago no cigarro e apaguei com força no cinzeiro de vidro. Escutei você chegando. Fui até a porta de vidro que separava a sala, da varanda e pude te sentir. Senti você bem próximo de mim. Levantando meu vestido sutilmente, me acariciando de maneira quase imperceptível e arrumando alguns fios do meu cabelo da maneira mais sensível e carinhosa que existia.

Fiquei presa naquele momento. Naquela varanda. Não conseguia e não queria sair dali. Não sei por quê. Escutava seus sussurros, mas por mais que eu tentasse não conseguia entender qualquer palavra. Comecei a me sentir estranha. Uma série de arrepios tomava conta do meu corpo, eu te sentia por dentro dos meus cabelos. No meu corpo. Cada vez mais próximo de mim. Eu queria soltar gargalhadas, queria gritar, queria sorrir, queria chorar, mas eu estava tomada por aquela sensação. Uma sensação estranha.

Mas está tudo bem. Estamos bem. Tão bem que podia sentir seu beijo, seu abraço, seu toque na minha pele, podia te sentir mesmo sabendo que não estava ali. Podia escutar cada palavra mesmo sem saber seus verdadeiros significados. Podia passar dias naquela varanda, que continuaria tudo bem. Não sei onde esta agora, mas sei que parte de mim segue com você todos os dias. O tempo todo. Não sei pra onde e nem pra que.

O vento com toda sutileza leva cada dia um pedaço de mim, mas sei que deixa um pouco dele também. Sei que não está aqui comigo agora, mas posso senti-lo. Seu jeito de me beijar, de passar por mim, de tocar em cada parte do meu corpo, deixa-me cada vez mais sem rumo e apaixonada. Mas será que posso me apaixonar pelo vento? Ainda não sei...




"Quando você quiser ter alguém pra toda hora poder contar, eu estarei do seu lado pra te proteger..."

5 de dez. de 2007

bem longe da perfeição

Talvez eu seja realmente uma péssima filha. Talvez por querer sempre mais, sempre exigir demais. Talvez por esquecer aniversários, não estar sempre presente. Talvez por agir apenas por interesse, quando convém. Ou apenas por que na maioria das vezes sou simplesmente eu, sem mascaras, nem disfarces.

Talvez eu seja uma péssima filha por beber de menos, usar drogas de menos, sair de menos, fugir de menos. Talvez eu seja uma péssima filha por brigar demais. Brigar por uma liberdade que por mais que eu tente, tente, tente, nunca vem. Talvez eu precise de um pouco mais de rebeldia, um pouco mais de violência, um pouco menos de amor.

Talvez eu possa ser menos mimada, menos “vagabunda”, talvez eu possa arrumar um trabalho, ou uma ocupação decente. Talvez eu possa largar a faculdade dos sonhos para que os outros possam viajar e comprar futilidades. Talvez eu possa passar meu natal longe, minhas noites largada na rua. Talvez eu possa ter uma vida só minha.

Talvez foda-se o que eu sinto, talvez foda-se onde eu vivo. Nada é meu. Nunca nada vai ser meu. A casa não é minha, o carro não e meu, as palavras não são minhas. Nem a comida é minha. Será que a vida é minha ?

Talvez a filha do fulano seja perfeita, eu não. Talvez eu devesse esconder minhas vontades, meus sentimentos, meus sonhos. Talvez nada disso importa pra vocês, não é mesmo “pais perfeitos” ? Talvez se eu fosse o oposto de tudo que eu fui e do que eu sou até hoje, eu seria, finalmente, a filha perfeita pra vocês.


Eu poderia tentar, mas me desculpe. Não posso ser a metade do que querem que eu seja.






" Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo ..."